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Soneto não me mintas, não me inventes.

Poemas de agora

Soneto não me mintas, não me inventes.

Maria S. Mendes

 

Soneto não me mintas, não me inventes.

Não torças a verdade com as manhas

Subtis dum charlatão, deste em patranhas?

Sê claro, sê frontal, diz-me o que sentes.

Quem te viu, quem te vê... oh, tão diferente

Do que te motivou, do gozo ou pena...

Tu és como um actor levando à cena

Um texto que estudou e alegre mente.

Quem és, que dizes tu, seu impostor!,

Que mal te reconheço... e eu juro

Que passa por mim mesmo o meu perjuro.

Não passas é de um mau imitador!

Perdoo-te o perderes-me... vai, mau espelho...

Soneto, és um logro. Argh... Estás velho!

 

Daniel Jonas, “Soneto não me mintas, não me inventes”, Nó. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014. 

 

 

Gosto deste poema porque tem catorze versos que consigo parafrasear, o que nem sempre me acontece com outros poemas. O poeta queixa-se de que o soneto, a forma poética escolhida em , o deita a perder. O poema que compõe é um virtuoso exemplo de uma diatribe: o poeta lamenta o facto de o soneto ser incapaz de lhe ser fiel, incapaz de dizer as verdades ou aquilo que sente. Ao invés de ser “claro, frontal”, o soneto é “charlatão”, torce a verdade, mente e inventa, é impostor, “mau imitador” e “mau espelho”. Apesar de todos os defeitos, o poeta é exímio ao compô-lo e fiel aos constrangimentos que esta forma fixa lhe impõe, desde o decassílabo camoniano ao dístico final (gg) do soneto inglês. E acaba até por perdoá-lo em respeito à sua caducidade: “Perdoo-te o perderes-me... (...) / Estás velho!”

O soneto é invocado por três ordens de razão Por um lado, o poeta dirige-se-lhe enquanto forma poética obsoleta, ultrapassada (“Quem te viu, quem te vê...”), sendo o poeta a principal vítima da sua obsolescência, como expressa raivosamente no último período: “Argh... Estás velho!” A verdade é que o soneto já não é eficaz, é forma que perdeu autenticidade: “Quem és, que dizes tu, seu impostor!”

Por outro lado, o soneto em apóstrofe pode ser lido como antonomásia da poesia. Neste caso, o poeta retoma a tese principal da “Autopsicografia” de Fernando Pessoa, desta vez aplicada à poesia e não ao poeta – o soneto é um “fingidor”, com uma acepção moral negativa que o poema de Pessoa não tem. Aqui, o soneto finge, mente, e a poesia é um “mau espelho” dos sentimentos humanos. A expressão “mau espelho” alude a Shakespeare, e isto acontece mais do que uma vez. Assim como Hamlet exorta aos seus actores para que sejam um espelho da humanidade, também aqui o poeta exige o que o soneto, i.e., a poesia, nunca é – fiel à vida humana. Assim, não é de estranhar que o soneto seja “como um actor levando à cena / Um texto que estudou e alegre mente”. O poeta pede ao soneto que seja um bom espelho, mas sabe que, apesar do virtuosismo das rimas, do esquema rimático, de toda a técnica a que recorre no soneto, a poesia falha. A consciência desse engano e a irreversibilidade dessa situação causam uma certa melancolia, de que a interjeição onomatopaica “Argh” dá conta.

Mas a melancolia pode até ter, e tem neste caso, um efeito produtivo. Na verdade, por trás desta apóstrofe ao soneto, também podemos ver um poeta que parece lidar bem com a tradição literária e com o pretenso peso dos seus predecessores ilustres, como Shakespeare ou Pessoa. O “Argh” final tem tanto de frustração como de raiva e até força poética. A diatribe existe, de facto, mas não é só para lamentar e criticar. Serve também para mostrar que o poeta sabe fazer bons sonetos, sabe fazer rimas, cumprir a métrica, escrever catorze versos que resultam bem. Bom ou mau espelho, o soneto é só obra do poeta. É este que o inventa.

Joana Meirim


Joana Meirim é professora na Universidade Católica Portuguesa. Entre os 18 e os 19 anos escreveu vários poemas e publicou-os, hélas. Hoje não voltaria a fazê-lo. Gosta de poesia com humor, qualidade que aliás considera inerente a toda a boa poesia.